Thursday, June 29, 2006

O Caçador



A floresta era escura e fria e a bruma anestesiava suas pupilas vibrantes. O controle que pensava ter em seu corpo lhe escapava naquele momento. Seu coração não era páreo para sua mente e atrevidamente acelerava, acompanhando suas passadas largas neve antes só precisas, agora aceleradas. Ao seu lado corria seu fiel cão, companheiro no Sagrado Caminho, tão ansioso quanto ele para capturar o prêmio fugitivo. Focinhos em riste, farejavam juntos o futuro, enquanto as narinas ardiam pelo frio.

Lembrava-se como tortuosos e espinhosos foram os caminhos que os levaram até ali juntos, numa relação de total companheirismo. A sabedoria de um somava-se a perseverança do outro. A força somada a estratégia, a leveza à precisão, a alegria à segurança. Tudo em mais perfeita sinergia, e um profundo companheirismo era o que os unia e não uma coleira. A Verdade era a tônica. Esse era o segredo deles e tudo aquilo parecia inabalável, e as caçadas sempre eram para sobrevivência de ambos.

Seus pensamentos (e projeções) foram interrompidos de súbito diante da visão do que procuravam. Era uma belíssima espécie de lobo jamais vista, que acuado aguardava a chegada daqueles que o perseguiam por horas a fio. A fera parecia muito calma e segura de si, como se estivesse certa de seu fim inevitável mas com uma segurança indecifrável que era projetada pelos seus olhos, o que lhe dava uma aura de grandeza ainda maior do que já exprimia o seu porte robusto e ágil. Ali aguardava, sem mais para onde ir.

Arma em punho, o caçador ao lado de seu cão chegavam a passos curtos, parando a poucos metros do lobo, fitando-o sem desviar o olhar por um segundo sequer. Ambos estavam hipnotizados um com o outro, num misto de respeito mútuo e curiosidade.

E o que se sucedeu foi supreendente, aquilo que o caçador jamais havia previsto, uma chave ignorada pelo seu córtex cerebral. Antes que pudesse apertar o gatilho que encerraria a existência daquele que estava do outro lado, o cão saltou e afundou a mandíbula num pescoço forte, arrancando-lhe a pele e trazendo muito do líquido vital que se espalhou rápido, tingindo de rubro a paisagem fria e branca. Um tiro seco se ouviu. A morte foi quase instântanea, com um lapso de tempo suficiente apenas para um suspiro amargo.

Quatro olhos etéreos, tão semelhantes, observavam o caçador estendido na neve vermelha. Ele havia negligenciado o fato de que a natureza do cão é muito mais próxima daquele lobo do que da sua natureza humana. O alvo exterior não foi atingido.

Dois lobos partiram. "Consummatum est".