Thursday, July 27, 2006

Um conto escatológico



Pedro acordou cedo naquela manhã e ainda de olhos fechados levantou-se, espreguiçando-se demoradamente enquanto bocejava emitindo sons guturais. Lembrou-se de cuidadosamente descer da cama pisando o chão primeiramente com o seu pé direito, para que o destino lhe favorecesse aquele dia.
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Nestor, o pé-direito de Pedro, tinha medo de ao acordar ser involuntariamente levado a adentrar o penico que ficava logo abaixo da cama. Colecionava pesadelos amarelos e molhados, e assim era um pé-direito ansioso e um pouco molenga também.
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Soriano era o penico que ficava debaixo da cama. Era branco e um tanto quanto gasto. Suas bordas já não mais seguravam a laca como antigamente e ele chegava a se envergonhar disso. Como não fumava, também não lhe sobravam justificativas para as manchas amarelas em sua superfície, que obviamente ali estavam por conta da urina de Pedro.
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Marta era a urina de Pedro, sendo morna enquanto estava nele e fria quando estava em Soriano. Não era muito simpática, não obstante os romanos a terem utilizado como asséptico bucal muitos séculos atrás. Nem mesmo isso era suficiente para que a tornasse bem quista. Ela era mais amarela quando saía pela manhã. E mais clara durante o resto do dia. Era filha de Gisele, a bexiga de Pedro. Na realidade Gisele era a mãe de aluguel, que apenas a gerava, mas seus pais biológicos eram o casal de rins Jaime e Márcia.
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Jaime e Márcia trabalhavam muito para filtrar e eliminar as porcarias que Pedro consumia durante o dia. Já haviam reclamado com o Síndico, o senhor Moreira, estômago de Pedro. Não faltaram reuniões de condôminos exigindo um basta, afinal prejudicava toda a comunidade. Dos que mais reclamavam constava a moradora da cobertura: Lisandra, a pele, que vivia cansada de expelir o excedente de toxinas, o que por sinal a deixava cheia de espinhas.
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O Sr. Moreira havia solicitado à porteira Flávia, a boca, que fizesse greve e permanecesse fechada, mas sem sucesso. Era muito teimosa e descuidada e deixava todo mundo passar. Assim, todos viviam em clima de briga, dia a dia.
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Só que naquela manhã Pedro só conseguiu dar dois passos (o primeiro com Nestor, o segundo com Zeca - o pé esquerdo) e foi direto ao chão. Fulminado por um infarto causado por entopimento vascular. Flávia arrebentou-se. Um pouco de sangue escapoliu por ela, tentando ver o que acontecia lá fora. Mas não durou muito tempo. Secou.
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Pedro, por ironia do destino, era desentupidor de encanamentos.
e seu pai Adolfo, era ferreiro. E assim foi escrito em sua lápide:
"Aqui jaz Pedro, que morava em casa de ferreiro, mas seu espeto era de pau."

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